domingo, 17 de junho de 2012

Rizoma do Ócio.

(...) Durante séculos a religião por um lado prometia o paraíso no outro mundo, onde não existiria sequer sinal de trabalho, e por outro destinava a vida terrena à dura labuta, concebida como expiação do pecado original. Sob esta ótica, o ócio evidentemente, não poderia ser concebido senão como o pai de todos os vícios.

Hoje ainda a palavra evoca, em si mesma, toda uma série de significados negativos. Faça comigo um jogo ocioso: abra um dicionário e assinale todos os sinônimos da palavra "Ócio''. Veja aqui: neste que eu tenho nas mãos encontro quinze sinônimos, dos quais três (lazer, trabalho mental suave e repouso) têm significado positivo; quatro são de sabor neutro (inércia, inatividade inação e divagação) e sete tem significado claramente negativo (mândria,debilidade, acídia, preguiça,negligência, improdutividade e desocupação). O décimo quinto é "ociosidade", que não classifico, que possui a mesma raiz de ócio. A preguiça, como sabe, é até mesmo um dos sete pecados capitais. (...)

O trabalho perdeu o papel central que ocupou durante um par de séculos até agora, e que, portanto, a família, a escola e a mídia devem colocar ao lado da atual educação profissional dos jovens um outro tipo de educação,  igualmente séria, com vistas as atividades lúdicas e culturais. (...)

Para cada um de nós, tempo livre significa viagem, cultura, erotismo, estética, repouso, esporte, ginástica, meditação e reflexão. Significa, antes de tudo, nos exercitarmos em descobrir quantas coisas podemos fazer, desde hoje, no nosso tempo disponível, sem gastar um tostão: passear sozinhos ou com amigos, ir à praia, fazer amor com a pessoa amada, adivinhar os pensamentos, os problemas e as paixões que estão por trás dos rostos dos transeuntes, admirar os quadros expostos em cada igreja, assistir a um festival na televisão, ler um livro, provocar uma discussão com um motorista de táxi, jogar conversa fora com os mendigos, admirar a sábia beleza de uma garrafa, de um ovo ou das carruagens antigas que ainda passam pelas ruas. Balançar numa rede, que, como disse, me parece encarnar o símbolo por excelência do trabalho criativo, perfeita antítese da linha de montagem, a qual foi o símbolo do trabalho alienado. Em suma, dar sentido à coisas de todo o dia, em geral lindas, sempre iguais e sempre diversas, que infelizmente são depreciadas pelo uso cotidiano. (...)

Educar para o ócio significa ensinar a escolher um filme, peça de teatro, um livro. Ensinar como pode estar bem sozinho, consigo mesmo, significa também levar a pessoa a habituar-se com as atividades domésticas e com a produção autônoma de muitas coisas que até o momento comprávamos prontas. Ensinar o gosto e a alegria das coisas belas. Inculcar a alegria.

A pedagogia do ócio também tem a sua ética, sua estética, sua dinâmica e suas técnicas. E tudo isso deve ser ensinado. O ócio requer uma escolha atenta dos lugares justos: para se repousar, para se distrair e para se divertir. Portanto é preciso ensinar aos jovens não como se virar nos meandros do trabalho, mas também pelos meandros dos vários possíveis lazeres. Significa educar para a solidão e para a companhia, para a solidariedade e para o voluntariado. Significa ensinar como se evita a alienação que pode ser provocada pelo tempo vago, tão perigosa quanta a alienação derivada do trabalho(...)

Educar significa enriquecer as coisas de significado, como dizia Dewey. Quanto mais educado você for, um maior número de significados as coisas suscitam em você e mais significados você dá as coisas. (...)
Domenico De Masi- O Ócio Criativo    (Boas férias. Cuidem-se. Sempre. Muito.)

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