(...) Durante séculos a religião por um lado
prometia o paraíso no outro mundo, onde não
existiria sequer sinal
de trabalho, e por
outro destinava a vida
terrena à dura
labuta, concebida como
expiação do pecado
original. Sob
esta ótica, o ócio
evidentemente, não
poderia ser
concebido senão como
o pai de todos
os vícios.
Hoje ainda a palavra evoca, já
em si
mesma, toda
uma série de significados
negativos. Faça comigo
um jogo
ocioso: abra um
dicionário e assinale todos
os sinônimos da palavra
"Ócio''. Veja aqui:
neste que eu
tenho nas mãos encontro
quinze sinônimos, dos quais só três (lazer, trabalho mental suave
e repouso) têm significado
positivo; quatro
são de sabor
neutro (inércia,
inatividade inação
e divagação) e sete
tem significado claramente
negativo (mândria,debilidade, acídia, preguiça,negligência,
improdutividade e desocupação). O décimo quinto é
"ociosidade", que não
classifico, já que
possui a mesma raiz
de ócio. A preguiça,
como sabe, é até
mesmo um
dos sete pecados
capitais. (...)
O trabalho
perdeu o papel central
que ocupou durante
um par
de séculos até
agora, e que,
portanto, a família,
a escola e a mídia
devem colocar ao lado
da atual educação
profissional dos jovens
um outro
tipo de educação,
igualmente
séria, com
vistas as atividades
lúdicas e culturais. (...)
Para cada um de nós, tempo livre
significa viagem, cultura,
erotismo, estética,
repouso, esporte,
ginástica, meditação
e reflexão. Significa, antes de tudo, nos exercitarmos em
descobrir quantas coisas
podemos fazer, desde
hoje, no nosso
tempo disponível,
sem gastar um tostão: passear sozinhos ou com amigos, ir à praia, fazer amor com a pessoa amada, adivinhar os pensamentos,
os problemas e as paixões
que estão por
trás dos rostos
dos transeuntes, admirar
os quadros expostos
em cada
igreja, assistir
a um festival
na televisão, ler
um livro,
provocar uma discussão com um motorista de táxi,
jogar conversa fora com os mendigos, admirar a sábia beleza de uma garrafa, de um ovo ou das carruagens antigas que
ainda passam pelas ruas.
Balançar numa rede,
que, como
já disse, me
parece encarnar o símbolo
por excelência
do trabalho criativo,
perfeita antítese
da linha de montagem,
a qual foi o símbolo
do trabalho alienado.
Em suma,
dar sentido à
coisas de todo
o dia, em
geral lindas, sempre
iguais e sempre
diversas, que infelizmente
são depreciadas pelo
uso cotidiano.
(...)
Educar para o ócio significa ensinar a escolher um filme, peça de teatro, um livro. Ensinar como pode estar bem sozinho, consigo mesmo,
significa também levar
a pessoa a habituar-se com
as atividades domésticas e com a produção autônoma de muitas coisas
que até
o momento comprávamos prontas. Ensinar o gosto e a alegria das coisas
belas. Inculcar a alegria.
A pedagogia
do ócio também
tem a sua ética,
sua estética,
sua dinâmica
e suas técnicas.
E tudo isso
deve ser ensinado. O ócio
requer uma escolha atenta
dos lugares justos:
para se repousar, para se distrair e para
se divertir. Portanto
é preciso ensinar
aos jovens não
só como
se virar nos meandros do trabalho, mas também pelos meandros
dos vários possíveis
lazeres. Significa educar
para a solidão e para a companhia, para a solidariedade
e para o voluntariado.
Significa ensinar como
se evita a alienação que pode ser provocada pelo tempo vago, tão perigosa quanta a alienação
derivada do trabalho. (...)
Educar significa enriquecer
as coisas de significado,
como dizia Dewey. Quanto
mais educado você
for, um maior
número de significados
as coisas suscitam em
você e mais significados você dá as coisas. (...)
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