terça-feira, 22 de maio de 2018

A virtude da ignorância.


É no movimento que esbarramos em nossa própria estupidez. E não se engane, a coisa não se limita a um simples “ir”. Acariciar a rotina não acrescenta muita à nossa experiência. Esse “ir” até pode nos levar ao tal “limite” entre o saber e o desconhecido. Seria como buscar a utopia, mas o que, às vezes, evita o mico, é o mero fato de que o passeio, talvez, justifique a própria viagem. Só indo pra ter certeza, ou não, quem sabe?!
Em tempos de facilidades tecnológicas, é uma maravilha viajar apenas via controle remoto ou touchscreen.
Tirar o traseiro do assento seria meio estranho, já que a sensação de deslocamento digital é quase perfeita em alguns casos, e também temos a convicção de que aprendemos muito nas jornadas virtuais. Só que não; na verdade precisamos de um pouco mais. O cientista Howard Gardner diz que é preciso mais do que o conhecimento clássico que se ensina nas escolas. “A maior parte dos testes mede a inteligência lógica e de linguagem. Quem é bom nas duas é bom aluno. Enquanto estiver na escola, pensará que é inteligente”, declara. Ele também afirma que se o aluno decidir dar um passeio pela cidade, rapidamente descobrirá que outras habilidades fazem falta, “como a espacial e a intrapessoal – a capacidade que cada um tem de conhecer a si mesmo, fundamental hoje”.
Certo dia, quando rabiscava uns rascunhos, acabei por definir pra mim mesmo a seguinte ideia: o ápice da sabedoria é quando aprendemos que não existe limite para a nossa própria ignorância. Não sei se alguém já disse isso, mas o conceito com certeza não é novo, muito menos e totalmente meu. Ser sábio é estar inquieto. É sentir coceira na mente o tempo todo, é estar aflito pelo avesso das coisas. A expansão de nossa linguagem e de nossos limites depende disso, e a percepção de mundo cresce na mesma medida. Afinal, como disse meu amigo Ludwig Wittgenstein: as fronteiras da minha linguagem são as fronteiras do meu universo. Ou seja, meus passos geográficos são saltos sensoriais, se estou aberto para o voo.
Dada a maldita ignorância, que fez e faz cabos eleitorais há tempos e por todos os lados e mantém muita gente deitada nos cantos quentinhos da estupidez, ficamos na berlinda, a inquirir se a marcha rumo ao utópico horizonte vale a pena ou se seria melhor mesmo enfiar o rabo entre as pernas e aguardar ração e água fresca, depois de ir buscar a bolinha no fundo do quintal. Schopenhauer não gostaria do tom desse papo. O alemão sisudo, sentado numa mesa de bar, diria: meu caro, “talento é quando um atirador atinge um alvo que os outros não conseguem, gênio é quando um atirador atinge um alvo que os outros não vêem”. Dado o invisível soco na boca do “estômago” vazio – de bons argumentos contrários -, partiríamos resignados de volta à implacável busca pelo limite da ignorância?
No meio de uma praça ateniense Sócrates debatia com seus discípulos sobre a necessidade de romper com o conforto de seu conhecimento estático. Gritava ele aos quatro ventos que sábio era aquele que conhecia os limites de sua própria ignorância. Já o poeta de Itabira, com seus versos de ferro, vem fechar a nossa reflexão sobre a ignorância, nos servindo um prato de tempero forte. Drummond propõe que usemos de nossa ignorância para invalidar e, talvez, neutralizar o poder de quem deseja afligir a nossa realidade. “É virtude ser ignorante quando os sábios são perversos”, alfineta Carlos, o poeta de fala mansa e corte afiado nas entrelinhas.
O limite é a vontade; sempre será. O limite está no meu querer, o meu chafurdar no conhecimento, sem vergonha da pergunta, porque ela elimina o limite e, para a tristeza do pobre de espírito, cria outro. A vida é infinita em suas possibilidades, texturas e cores. Infinita e sedutora nas formas e na incontestável forma de nos surpreender. No exato momento em que nos aproximamos de suas bordas, com cara de ignorantes, ali mesmo, ela nos lança a distâncias colossais, de onde nos restará somente a decisão de nos levantar e caminhar na sua direção, de novo.

Li no http://www.updateordie.com

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