domingo, 22 de março de 2015

Tempos líquidos.



O sociólogo polonês Zygmunt Bauman é um dos intelectuais mais respeitados da atualidade. Aos 87 anos, seus livros venderam mais de 200 mil cópias. Um resultado e tanto para um teórico. Entre eles, “Amor liquido” é talvez o livro mais popular de Bauman no Brasil. É neste livro que o autor expõe sua análise de maneira mais simples e próxima do cotidiano, analisando as relações amorosas e algumas particularidades da “modernidade líquida”. 

Vivemos tempos líquidos, nada é feito para durar, tampouco sólido. Os relacionamentos escorrem das nossas mãos por entre os dedos feito água.

Bauman tenta mostrar nossa dificuldade de comunicação afetiva, já que todos querem relacionar-se. Entretanto, não conseguem, seja por medo ou insegurança. O autor ainda cita como exemplo um vaso de cristal, o qual à primeira queda quebra. As relações terminam tão rápido quanto começam, as pessoas pensam terminar com um problema cortando seus vínculos, mas o que fazem mesmo é criar problemas em cima de problemas.

É um mundo de incertezas, cada um por si. Temos relacionamentos instáveis, pois as relações humanas estão cada vez mais flexíveis. Acostumados com o mundo virtual e com a facilidade de “desconectar-se”, as pessoas não conseguem manter um relacionamento de longo prazo. É um amor criado pela sociedade atual (modernidade líquida) para tirar-lhes a responsabilidade de relacionamentos sérios e duradouros. Pessoas estão sendo tratadas como bens de consumo, ou seja, caso haja defeito descarta-se - ou até mesmo troca-se por "versões mais atualizadas".

O romantismo do amor parece estar fora de moda, o amor verdadeiro foi banalizado, diminuído a vários tipos de experiências vividas pelas pessoas as quais se referem a estas utilizando a palavra amor. Noites descompromissadas de sexo são chamadas “fazer amor”. 

Não existem mais responsabilidades de se amar, a palavra amor é usada mesmo quando as pessoas não sabem direito o seu real significado.

Ainda para tentar explicar a relações amorosas em “Amor Líquido”, Bauman fala sobre “Afinidade e Parentesco.” O parentesco seria o laço irredutível e inquebrável. É aquilo que não nos dá escolha. A afinidade é ao contrário do parentesco. Voluntária, esta é escolhida. 

Porém, e isso é importante, o objetivo da afinidade é ser como o parentesco. Entretanto, vivendo numa sociedade de total “descartabilidade”, até as afinidades estão se tornando raras.

Bauman fala também sobre o amor próprio: o filósofo afirma que as pessoas precisam sentir que são amadas, ouvidas e amparadas. Ou precisam saber que fazem falta. Segundo ele, ser digno de amor é algo que só o outro pode nos classificar. O que fazemos é aceitar essa classificação. Mas, com tantas incertezas, relações sem forma - líquidas - nas quais o amor nos é negado, como teremos amor próprio? Os amores e as relações humanas de hoje são todos instáveis, e assim não temos certeza do que esperar. Relacionar-se é caminhar na neblina sem a certeza de nada - uma descrição poética da situação.

Para ser feliz há dois valores essenciais que são absolutamente indispensáveis [...] um é segurança e o outro é liberdade. Você não consegue ser feliz e ter uma vida digna na ausência de um deles. Segurança sem liberdade é escravidão. Liberdade sem segurança é um completo caos. Você precisa dos dois. [...] Cada vez que você tem mais segurança, você entrega um pouco da sua liberdade. Cada vez que você tem mais liberdade, você entrega parte da segurança. Então, você ganha algo e você perde algo", afirma o filósofo.

Li no  http://lounge.obviousmag.org/

7 comentários:

  1. Acredito que a liquidez que vivemos hoje não seja algo ruim, acho que assim somos mais sinceros conosco. A noção de indivíduo como um "algo" fixo é superestimada, não devemos levar a vida pensando que somos definidos, não somos. Colocando isso nos relacionamentos creio que possamos ter trocas mais diretas e pragmáticas assim tendo uma melhor sinceridade. Claro levar uma vida em que se abandona a noção é indivíduo e se abraça a transformação não é fácil, mas essa é a beleza da contemporaneidade, não somos, estamos.

    ResponderExcluir
  2. Somos a geração do "desapego". A geração que perde quem se importa, quem demonstra o que sente, quem é sensível. É verdade que estamos cada vez mais falando "eu te amo" sem realmente saber o que é amor, sem realmente sentir um afeto enorme por alguém. O problema disso é que esse nosso "amor" é tratado com descaso, conhecemos uma pessoa hoje e amanhã já estamos apaixonados, dois dias depois nem lembramos mais o seu nome. A banalização do beijo, do abraço, do carinho afeta aqueles que mais sentem. Essa nova era veio para mostrar que somos efêmeros, rápidos, tecnológicos. Enquanto essa rapidez faz com que a gente viva mais, faz também com que a gente viva com menos intensidade e menos verdade.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pois é, Carolina. Mostrar nossa fragilidade em tempos líquidos é quase um pecado. Lamentavelmente.
      =(

      Excluir
  3. Apesar de não gostar muito do Bauman, concordo com a liquidez, superficialidade e efemeridade dos relacionamentos atuais, sejam eles quais forem. Entretanto, também concordo com o Nuno. Acredito que o desenvolvimento tecnológico por ter nos colocado em contato com mais pessoas, permite uma fluidez maior do eu, multiplicando as possibilidades do que é se expressar como ser. Quando isso se aplica as relações percebemos que apesar de tendermos a pulsão cada vez mais, temos mais liberdade para buscar aquilo que nos acrescente.

    ResponderExcluir
  4. Creio que o problema não seja liquidez, mas a levianidade com que conduzimos as relações nos tempos contemporâneos. Acho incrível a ideia de deixar um pouco de mim com alguém e receber dessa pessoa o que me couber, pelo tempo que me couber. A questão não é quanto o momento dura, mas o cuidado que dispensamos ao outro nesse tempo. Prefiro ter algumas horas com alguém que está dedicado a vivenciá-las da melhor forma para ambos, do que passar anos com alguém apenas pelo conformismo. O sofrimento está em exigir das pessoas mais do que elas podem oferecer naquele momento. Alguns desejam te proporcionar felicidade eterna, outros apenas por uma noite. Só o propósito de agregar algo de positivo já faz valer a experiência. E eu, particularmente, quero colecionar diferentes (mesmo que fugazes) experiências.

    ResponderExcluir
  5. Igor e Anna, excelentes reflexões. Tudo a ver com os condicionamentos em que fomos criados. Difícil libertar-se dos padrões estabelecidos culturalmente. Mas cada um sabe de si, né? Ou pelo menos deveria. =)

    ResponderExcluir