sexta-feira, 3 de abril de 2015

Sexta-feira da paixão.



Doce Vida

É comum olhar para o passado e ver uma época simples, cheia de alegria e de leveza. Lembramos de tardes de verão intermináveis, do sorvete que tomávamos depois da escola, das tendas que montamos na sala, das histórias antes de dormir, dos banhos de espuma, dos desenhos animados, das festas de aniversário... Lembramos dos sorrisos, das gargalhadas, das gracinhas e dos abraços. Lembramos do mundo como ele era através dos nossos encantadores olhos de criança.
            
Mas nós crescemos. Saímos da escola, os amigos começaram a namorar, as intrigas começaram a durar mais do que apenas alguns minutos. De repente veio a formatura, veio a faculdade. E começamos a trabalhar. Aqueles dias idílicos ficaram para trás, porque a infância acabou e passou a ser apenas uma memória muito bonitinha que tiramos do baú de raro em raro.
            
Tudo bem, não faz mal. Agora nós podemos sair sozinhos, podemos fazer coisas que quando éramos crianças não nos deixavam nem saber que existiam; podemos pagar as nossas contas e ter um celular. Podemos ser autoritários e não precisamos ficar obedecendo nossos pais nem levando bronca. Não há mais detenções, não há mais castigos, não há mais hora de dormir. Que bom, não é?
           
Mas então porque não achamos que somos tão felizes quanto éramos antes? Não ganhamos um monte de vantagens e liberdades a cada ano que se passou? Não nos tornamos pessoas maturas e decididas, prontas para encarar o mundo? O que houve?
            
Se alguém perguntar quando foi que mudamos tanto, não poderemos responder. Não fomos dormir crianças e acordamos adultos; fomos mudando aos poucos, sem nem perceber. Mas como foi que mudamos?
            
Um dia chegamos na escola com aquela mochila da Barbie novinha que ganhamos no Natal. A mochila era linda, era o máximo! Mas aí aquela menina da série acima viu e achou muito boba a tal mochila. De repente a mochila não era mais tão legal assim. Nós ainda a achamos bem bacana, mas não queremos que nos achem bobos, não é? Dali a alguns anos, fomos àquela festa na casa de uma amiga. Saímos de casa com aquele vestido tão querido que sempre nos deixa feliz. Mas aí aquelas meninas mais populares estavam todas usando calça jeans, e mais uma vez nos sentimos meio infantis.
            
Nesse meio tempo, fomos passando de uma série para a outra. Os deveres de casa viraram projetos, os testes viraram provas, e as aulas de balé viraram aulas de inglês. Os desenhos animados viraram filmes, os gibis viraram livros. O leite achocolatado virou café com leite, e o ensino fundamental virou ensino médio. O amiguinho virou namorado, e nossos pais de repente viraram aquelas pessoas toscas.
           
De vez em quando temos aquela recaída: cedemos e fazemos a maior farra na piscina; nos esquecemos e cantamos a plenos pulmões aquela música do filme da Disney; não aguentamos e tomamos o raio do leite achocolatado. Ainda bem que nossos amigos não viram, não é? Como fomos bobos...
            
Chegou a hora do vestibular e temos que escolher nossa carreira. Sempre adoramos desenhar; há muitos anos atrás dizíamos que queríamos ser artistas. Mas artista? Isso não dá dinheiro nenhum; melhor fazermos Direito. E nós passamos, afinal foi para isso que passamos tantas horas do nosso tempo livre estudando. Agora sim! Hora de nos tornarmos adultos! Que máximo! Começamos a faculdade e, credo, que coisa mais chata! Mas é só o ciclo básico; todo mundo diz que o começo é mais chato mesmo.
           
Chegamos em casa com os braços cheios de textos para ler, ocupados e preocupados com aquela prova do professor carrasco que está por vir. Mas tudo bem, sexta-feira vamos à balada com os amigos; vai ser legal. Ralamos por mais uma semana, ainda bem que passou! Agora vamos sair para jantar com a galera, mas vamos pedir uma salada, não é? Depois que entramos na faculdade ganhamos alguns quilinhos, porque com tanto estresse temos compensado na comida.
            
Mais uma semana, graças a Deus! Chegamos em casa na sexta-feira e ligamos a TV. Qualquer coisa vale, só não queremos pensar em nada. Ficamos peleando, nada parece muito atraente. Ih, peraí. Olha só, está passando Operação Cupido! Nossa, que coisa antiga! Vamos ver um pouquinho, não nos lembramos mais tão bem. E nós sorrimos. Gostoso lembrar dos velhos tempos, aqueles quando éramos felizes e não sabíamos...
           
E é aí que nós nos enganamos. Sabíamos sim. Sabíamos muito bem o quão felizes nós éramos. E sabíamos também como ser feliz.
            
Mas nós desligamos a TV, fechamos o gibi, esquecemos a piada que o amigo contou na escola há tanto tempo atrás. Desistimos de ver aquele filme, porque ninguém mais assiste. Preferimos ouvir o novo CD da banda mais quente do momento; estão todos falando, melhor eu saber do que se trata. Não vamos mais à piscina com nossos vinte e cinco primos, porque estamos sempre estudando e queremos passar nosso escasso tempo livre na balada. E, afinal de contas, a moda é a balada. Vão nos achar completamente “sem-noção” se preferirmos ficar aqui em casa assistindo esse filme de criança, não é? Melhor nem comentarmos que estava passando.
            
E mais uma vez nos enganamos.
            
Onde foram parar aquelas crianças que gostavam de se fantasiar? Cadê aquela galera que brincava de Pique-Alto no recreio? Porque os dias agora passam mais rápido? Porque agora nem tudo é tão engraçado? O que aconteceu?
            
Pouco a pouco, sem que nós percebêssemos, fomos intimados a crescer. Tivemos que largar a boneca, dar o carrinho, trocar o bolinho Ana Maria pela barrinha de granola, abandonar a camiseta do Buzz Lightyear e comprar um terno, parar de assistir TV para ir trabalhar.
           
E com todas essas coisas que deixamos para trás, largamos também aqueles óculos cor-de-rosa e o mundo ficou mais acinzentado. Esquecemos que comer bolo de chocolate é bom pra caramba. Esquecemos que pular de bomba na piscina é super divertido, mesmo quando entra água no nariz. Esquecemos que Tom & Jerry é uma ótima comédia. Esquecemos da Matilda, do Dexter, do Du, do Dudu e até do Edu. Esquecemos que aquela piada ridícula é, na verdade, muito engraçada. Esquecemos de assustar nosso pai que está quase passando pelo corredor. Esquecemos de dançar como se ninguém estivesse olhando, esquecemos de cantar com vontade, esquecemos de contar histórias, esquecemos de brincar de mímica. Esquecemos de ficar felizes porque o Natal está chegando. Esquecemos de fazer aquilo que nós adoramos, por mais idiota que seja. Esquecemos de ser curiosos. Esquecemos que não precisamos ter vergonha.

Mas precisamos lembrar. Precisamos lembrar de acreditar que o príncipe está vindo e que somos sim princesas. Lembrar que ganhar aquele sorteio é motivo para ficar feliz o dia inteiro. Lembrar que pular na poça da chuva faz sujeira, mas que se dane. Lembrar que dar uma enroladinha nas obrigações às vezes faz bem. Lembrar que nossos pais são heróis. Lembrar que chocolate é delicioso. Lembrar que ficar boiando na piscina é ótimo. Lembrar que usar aquele suéter velho é uma delícia. Lembrar que aquele filme bobinho que nós víamos há quinze anos ainda é tudo de bom. Lembrar que o tempo não passa nem mais rápido nem mais devagar, ele é sempre o mesmo. Lembrar que andar descalço pode ser maravilhoso. Lembrar que ganhar presente de Natal é bom demais. Lembrar que as coisas não são tão complicadas assim. Lembrar que não tem nada melhor que ser feliz.

Então sejamos adultos. Sejamos responsáveis e decididos, sem hora pra dormir. Vamos a baladas, vamos andar sozinhos. Vamos brindar ao fim de semana, mas vamos mandar ver de segunda a sexta. Vamos sonhar com o futuro, vamos namorar, vamos dirigir.

Mas vamos lembrar de levar aquele óculos cor-de-rosa que faz tudo um pouquinho mais mágico sempre conosco. Vamos lembrar de achar o ordinário extraordinário. Vamos lembrar que um lanche gostoso, um filme bocó, uma piada sem graça, um abraço apertado, podem ser todos muito mais do que aquele segundo que passou. Vamos lembrar que nada é tão bom quanto sorrir, só rir até chorar. Vamos lembrar de, de vez em quando, jogar tudo para o alto e nos entregarmos ao nosso desejo mais inusitado. Vamos lembrar de levantar com o pé direito, achando que aquele dia vai ser muito, mas muito bom, porque vamos ao cinema, ou porque vamos sair com os amigos, ou só porque vamos curtir como quisermos.

Vamos ser grandes, mas vamos ser pequenos. Sejamos responsáveis, mas sejamos cabeça de vento. Vamos ser sérios, mas vamos brincar, como se aquelas crianças nunca tivessem ido embora. Façamos da vida a nossa melhor história, nosso conto de fadas mais encantado. Que fiquemos velhos, mas que sejamos eternamente jovens.

Fernanda Merege,  aluna do terceiro período de Jornalismo -  PUC-Rio.

6 comentários:

  1. "Que fiquemos velhos, mas que sejamos eternamente jovens."
    Que texto especial da Fernanda. Senti como se eu tivesse escrito o texto. As referências, as vergonhas, as vontades... Todo mundo cresce e a maioria se torna "velho". Hoje, estudando mais a sociedade, vejo como o sistema nos deforma. O sistema educacional precisa ser reformulado urgentemente. O sistema, como um todo, idem. Algo me diz que isso não é uma utopia. As coisas estão mudando rapidamente e quem sabe descontroladamente.

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  2. Marina Costa - 15hsexta-feira, abril 03, 2015

    Nossa,me identifique tanto que me deu vontade de compartilhar! Fernanda arrasou!
    No meu caso, sempre me senti uma pessoa meio criança e isso me deixou um pouco pra trás na escola. Acontecimentos da vida, me fizeram crescer da noite para o dia. Os problemas familiares me obrigaram a ser a Marina séria e crescida. Como diz no texto, tive que largas as minhas Barbies e "ser adulta". A sociedade me pressionou pra isso e não me lamento. Hoje, apesar de ser bem ansiosa e desesperada, eu sei que me fez mais consciente do que eu sou e quero ser. O futuro está aí, temos agarra-lo com força e não soltar, nunca. Porém, sempre lembrando do passado. Minhas irmãs de 11 e 8 anos não me deixam esquecer mesmo haha.

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  3. Esse texto descreve perfeitamente a ansiedade que tenho na vida. Quando somos crianças estamos loucos pra crescer, pra ter os famosos 18 anos, poder sair ate tarde, curtir uma festa ate o amanhecer sem ter que dar satisfação. E ai os 18 anos chegam, assim como os 19, 20, 21... E ai a ansiedade bate de novo. Nossa como o tempo passa rápido. Como eu adorava ter 10 anos, poder dormir depois do almoço, me entupir de chocolate, e assistir tv até não aguentar mais. E ai a gente repara que aquilo que queríamos tanto, crescer, não parece ser tao fantástico assim. As ansiedades da vida não deixam a gente aproveitar o momento, pois estamos sempre esperando o futuro. Esperando alguma hora chegar, esperando um dia importante, esperando um momento. Ao invés de esperar, quero viver, viver o agora. Nao esperar nem um segundo passar pra ser feliz. Isso sim que é vida.

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  4. Leticia Fernandes 13hterça-feira, abril 07, 2015

    Me identifiquei tanto com esse texto que gostaria de dizer que fui eu que escrevi. Ele define exatamente o "dilema" que vivo. A gente cresce e mudam as responsabilidades, os tipos de lazer e até os amigos. E ai, ficamos remoendo aquelas memórias boas de uma época onde não tínhamos preocupação alguma. Éramos protegidos por aqueles a nossa volta contra tudo de "ruim". E de repente a gente cresce e esse "filtro" fica velho, já não consegue nos esconder das responsabilidades da vida e somos obrigados a crescer. E eu me preocupo. Me preocupo em olhar demais para trás e esquecer o presente, e, ao mesmo tempo, me preocupo em olhar muito para frente e esquecer o que passou. A coisa mais difícil que enfrentamos na vida é passar por ela sem perder a nossa essência, sem deixar de lado alguns desejos simplesmente porque estamos "muito velhos" para eles. Enquanto não soubermos parar de esperar ou recordar o tempo todo, não saberemos buscar a felicidade no presente, pois só assim poderemos olhar para o passado sem arrependimentos e para o futuro com grandes expectativas.
    "Que fiquemos velhos, mas que sejamos eternamente jovens".

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  5. Acho difícil alguém não se identificar com esse texto. Ele expõe o desafio que é viver e tentar se encaixar na nossa sociedade. Aposto que todos já ouviram, quando criança, um adulto dizer “aproveita que essa é a melhor fase da vida”. Mas na hora não sabemos disso. Não somos capazes de perceber. Não temos com o que comparar para avaliar se é realmente verdade. Apenas achamos que ser adulto e poder fazer tudo é mais legal. Na época, nós também sabemos que ser criança não é fácil, também existem preocupações, medos, inseguranças… Viver é um desafio desde o primeiro minuto. Temos que ir aprendendo aos poucos. Com o tempo ganhamos a vantagem de sermos mais conscientes, podemos aprender a valorizar e apreciar os momentos, escolher a leveza das coisas. Lembrar o que era bom quando éramos pequenos, mas também agradecer pelas experiências que nos tornam pessoas melhores.
    O texto instiga essa vontade de leveza e inocência; e provoca o questionamento do nosso estilo de vida. Merece ser compartilhado. Parabéns! ;)

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  6. Sabe aquele texto que você se identifica tanto que da vontade de ler mil vezes? Esse é um deles.
    Fernanda mostrou exatamente como nos sentimos mais ou menos a partir dos 17 anos e começamos a ter mais responsabilidade diante das situações. Fazer escolhas se torna algo sério. Não são mais escolhas simples, que não afetam em quase nada nossas vidas. Mas acredito que, não podemos achar que esse poder de decisão torna toda escolha que fazemos definitiva (digo isso porque as vezes eu tenho essa impressão). Nossas escolhas são o que nós somos no momento, e ninguém pode mudar isso. Ninguém pode nos dizer que é feio, ruim ou que não da mais tempo. Tão chatas são aquelas pessoas que tem sempre o mesmo e velho discurso e não se são o prazer de mudar.
    Mudar é normal. Mudar de ideia, jeito, opinião, vontade. Mas não podemos nunca deixar a nossa essência por conta de fatores externos. Cada momento é único, e devemos aproveitar o máximo. Então, sejamos sim "eternamente jovens"

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