quinta-feira, 26 de março de 2015

Quando o sucesso disfarça o fracasso.

Lisandro e eu frequentamos a mesma padaria. Ele é um idoso animado, adora puxar conversa com os clientes sobre qualquer assunto que encontra no jornal do dia. Quem não o conhece acaba correspondendo, mas os fregueses antigos preferem evitá-lo. É que o Lisandro é um homem preconceituoso. Já o peguei dizendo que “na ponte dá muito acidente porque é por ali que passa o pessoal da favela. Pobre não devia ter carro! São uns facínoras!”. Certa vez algumas pessoas se retiraram quando ele afirmou ter sido patrão de uma empregada “negra, mas que trabalhava como branca”.
Lisandro não perdoa ninguém. Mesmo seu irmão Jaime – um senhor gentil que vez ou outra o acompanha no café-da-manhã – também é vítima dos julgamentos. “Esse aí nunca quis nada. Quando era novo foi para a Guiana atrás de aventura, não queria trabalhar. Vive com salário mínimo, só vem num lugar como esse quando eu trago”. O irmão mais velho não se abala. Continua tomando seu chá, ignorando a platéia consternada.
Um dia resolvi conversar com o Jaime. “Qual é a do seu Lisandro?”. Para minha surpresa, seu tom de voz era muito assertivo. Não batia com as atitudes mansas que demonstrava no balcão da padaria. Falava em um tom reflexivo.
Sabe, a gente tem que ter paciência. O meu irmão é uma pessoa sozinha. Você viu como ele quer conversar com todo mundo? É porque ninguém conversa com ele em casa. Às vezes venho aqui fazer companhia, mas aí já viu, ele fica dizendo que sou pobre. Na verdade sempre gostei de viver com simplicidade. Moro em uma casa decente, meus filhos me amam. Se você for pensar bem, pobre é ele. Encheu-se de dinheiro, mas nunca aprendeu a ser uma boa pessoa.
O caso de Lisandro mostra como a ideia vigente sobre o sucesso é limitada. Não adianta ter ganhos no campo emocional. Só recebe o rótulo de bem-sucedido aquele que aprendeu a fazer dinheiro. Um bom relacionamento com os filhos de nada vale se acontece dentro de um barraco. Um marido que respeita sua mulher não ganha moldura adequada em um carro velho. Um filho nunca será grato o suficiente caso não ofereça à mãe o orgulho de um emprego rentável.
Um exemplo dessa prática pode ser encontrado na vida de Nikola Tesla. As invenções dele tornaram possível o mundo moderno, mas o “coitado” nunca soube capitalizar o próprio talento. No fim da vida foi chamado de cientista louco por propor inovações absurdas, mas claramente a má vontade de seus contemporâneos nasceu de sua ruína. Afinal, como respeitar um homem que não atingiu o sucesso financeiro?
O dinheiro tem a estranha capacidade de diminuir as qualidades de quem não o possui. Por outro lado, os pecados de seus donos são sempre perdoados. Thomas Edison se apropriou de várias idéias de Tesla e certamente propunha questões tão “loucas” quanto ele, porém sempre teve o respeito de todos por ser um homem rico.
Julgar o sucesso das pessoas apenas por sua capacidade de fazer dinheiro é um jeito pobre de encarar as coisas. Ousaríamos chamar Van Gogh, Einstein e Kafka de fracassados? Ou daríamos um Nobel para Kim Kardashian? Ser bem-sucedido de verdade é uma tarefa que envolve muitos outros aspectos. Pode incluir uma parcela material, mas é inegável que a qualidade da relação com as pessoas e consigo tem uma relevância maior. Quem alcança esse equilíbrio acumula para si uma fortuna intocável.
Percebe que bem-resolvido é melhor que bem-sucedido. Constata com clareza que o verdadeiro sucesso não se baseia em cumprir o que o mundo espera de nós, mas sim encontrar uma maneira particular de construir a própria felicidade.
Um abraço!
Li no http://www.sedentario.org/


11 comentários:

  1. Fernanda Merege - 13hrssábado, março 28, 2015

    Amei o texto. Acho importantíssimo enxergarmos que o que vale mesmo é a essência, o carinho, a troca, e não o material. Sempre fico indignada quando vejo o ritmo desenfreado que o a sociedade se auto-impõe esses dias, como se ganhar dinheiro fosse indiscutivelmente a prioridade máxima. Sobra pouco tempo para a família, para os amigos, para nós mesmos, e acabamos nos encontrando infelizes, que nem o Lisandro da história. De nada vale termos milhões no banco se não temos nada de bom para fazer com eles, como comprar um presente para alguém querido, fazer uma viagem com amigos, ou coisas do gênero. Mais vale não ser "bem-sucedido" e ter amor para dar e vender. Sempre me pergunto onde achamos que vamos chegar com mais dinheiro e menos felicidade, porque, afinal, no fim da vida não importa se você tem dinheiro no banco, mas sim se você tem alguém ao seu lado. Me sinto uma felizarda por entender que o sucesso não se mede em dinheiro, mas sim em momentos que valem a pena.

    P.S.: acabei de notar a ironia da propaganda do Master Card, que tenta vender um produto materialíssimo (cartão de crédito) mencionando momentos que não têm preço. Se não tem preço não precisa do cartão de crédito, ora... Precisei comentar ;)

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  2. Lara Salazar - 15hdomingo, março 29, 2015


    Gostei muito desse texto. Trata-se de um assunto muito interessante e que sempre vai estar martelando em nossa cabeça. Ora, sempre vai existir alguma pessoa que se importa muito mais com dinheiro do que felicidade. Pode parecer idiota, mas temos um exemplo atual disso na nova novela das nove. A personagem interpretada por Adriana Esteves possui tudo mas acha que não tem nada. Tem um bom marido, que a ama, que gosta do trabalho que exerce, uma filha, uma vida simples porém sem dificuldades, mas é gananciosa e acha que ter mais e mais dinheiro é mil vezes melhor. No fim, conseguiu chantagear a ex-amiga, que deu um trabalho melhor para seu marido, se mudou do Brasil e do que adiantou? A filha a odeia, o marido não a amava nem a via como antes e acabou falecendo. Isso também acontece com os alunos que estão para prestar vestibular. Conheço gente que deixou de fazer História por achar que não dava dinheiro e partiu para outros cursos. Tipo, sério? É bem melhor fazer o que gosta e se sentir gratificado do que fazer algo que você não gosta mas ganha mais dinheiro no final do mês. Infelizmente, as muitas pessoas ainda vão viver com esse pensamento. Melhor ser feliz, viver com amor, com pessoas que você gosta ao seu redor e ser rico de espírito do que ser rico, sozinho e infeliz. Felicidade não se compra, nem com Mastercard.

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  3. Fernanda Pina - 13hdomingo, março 29, 2015

    Adorei o texto! Nos mostra de uma maneira simples a consequência de só buscarmos a felicidade em coisas materiais, como o dinheiro. Pode parecer bobo, mas me lembrei dos inúmeros trabalhos do colégio que invocavam o seguinte tema: "vocação ou remuneração?". Obviamente, a maioria que os fazia preferia a vocação. Afinal, de que adianta ter todo o dinheiro do mundo se você não é feliz no que faz?
    E ah, acredito que toda essa "frustração" com as coisas mundanas, como a do Lisandro da história, seja, também, decorrente da pressão que sofremos na hora de decidirmos nosso futuro. Por que tão jovens temos que decidir uma coisa tão importante quanto essa? Aposto que a pergunta "como eu tenho certeza de que quero isso pra minha vida?" é uma das que mais permeiam a cabeça dos jovens. Acho que dei muita sorte de ter escolhido um curso que me identifico! Espero que outras pessoas, de verdade, tenham essa mesma experiência. :)

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  4. Excelentes reflexões. meus queridos autores. Parabéns pelo afinado olhar. Pratiquem essa sabedoria. ok?
    =)

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  5. Eu já me encontrei em discussões acaloradas sobre o que é sucesso. A imagem é sempre a mesma. De um lado um cara que trabalhou a vida inteira atras de dinheiro, do outro um que só se preocupava em fazer o que amava. Por mais que sejam claras as impraticidades da vida pra quem ignora as doutrinas capitalistas vigentes, ainda não me deparei com algum argumento que se sustente à favor de largar seus sonhos e viver correndo atras de dinheiro. Se como diz Freud, "a satisfação plena não existe", eu acho muito mais válido se divertir no meio do caminho e terminar a vida sem nenhum milhão no banco, do que morrer frustrado numa casa de 11 quartos. No final acho que o que conta mesmo são as memórias, as histórias e a vida vivida só por viver, sabe?

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  6. Daniel Massarani, 17hsegunda-feira, março 30, 2015

    Para mim, uma das piores coisas que existe é quem desiste de tentar. Quem desiste de tentar uma coisa para alcançar outra, que, a princípio, lhe parece oposta. Quem deixa de cultivar amizades e promover a generosidade por achar que isso são distrações, obstáculos para uma meta de vida gananciosa e egoísmo. Há também, por outro lado, quem esquece suas ambições pois foi criado em um meio onde “pensar em si mesmo” é algo extremamente condenável e, ao chegar no fim da vida, olha para trás e percebe que viveu décadas e décadas para os outros e não para si. Isso é triste, e uma das coisas que mais me amedronta e, portanto, me motiva com relação ao futuro, como já disse em sala uma vez. “Encontrar uma maneira particular de construir a própria felicidade” é uma meta que - além de egoísta, no nível certo - requer ainda mais coragem do que a noção tradicional de simplesmente trabalhar ganhar muito dinheiro e ser bem-sucedido, mas eu acho que vou com ela! Haha

    (Agora vai)

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  7. Professor, esse texto é perfeito para nós que estamos nessa etapa de escolhas na vida. Com certeza uma das nossas maiores incertezas são sobre nosso futuro. "Quais atitudes vou tomar?", "O que vou escolher?". Perguntas diárias que fazemos, pois temos medo de seguir nossa vontade de fazer algo que nos faça feliz e acabar decepcionando as pessoas ao nosso redor por não conseguir sucesso financeiro. Penso que escolher sua carreira por amor, conquistar boas relações pessoais ou encontrar sua felicidade são ações muito mais valiosas que qualquer dinheiro no mundo e que deveriam ser o medidor de sucesso de alguém.

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  8. Esse texto é incrível. Uma pesquisa americana comprovou que o dinheiro traz satisfação, mas não felicidade. (Ver: High income improves evaluation of life but not emotional well-being). Se a pessoa consegue se manter financeiramente estável,o dinheiro influencia muito pouco na felicidade dela. Por isso, o sucesso profissional não pode ser visto apenas a partir da perspectiva monetária. A satisfação do funcionário com a empresa, o bom relacionamento com os colegas de trabalho, a participação nos projetos e a vontade de ir para a empresa são pontos chave da felicidade profissional de cada um. Além desses fatores, existem inúmeros outros no campo pessoal. E eu acredito que estar bem e contente na vida pessoal e profissional conte muito mais para a construção de uma "vida feliz" que o dinheiro acumulado.

    No texto, é fácil perceber que Jaime foi capaz de construir sua felicidade, enquanto o irmão, Lisandro, se preocupou o tempo todo em acumular riquezas. Jaime é amado pelos filhos, tem uma casa boa, é uma pessoa realizada com o que . A felicidade é um conjunto de fatores, não é contínua. Acho que a felicidade pode ser entendida como um apanhado de momentos "no topo da curva". cada um é responsável pela sua, por perceber as oportunidades.

    Maria Silvia Vieira - 15h

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  9. Perfeito! Sucesso depende do ponto de vista de cada um, das aspirações de cada um. É incrível como as pessoas insistem em perpetuar mecanismos de autodestruição. Elas compartilham essa visão de sucesso, mas, depois, sofrem se não o obtêm e se o mundo desvaloriza o que elas, de fato, conquistaram. Essa visão puramente capitalista de sucesso é terrivelmente opressora e me lembra as aulas de sociologia.
    Ainda hoje, discutimos em sala a questão da genialidade - mais especificamente como ela só existe realmente na medida em que é percebida pelos outros. Por exemplo, há muitas pessoas com talento por aí, mas, se elas não estão na mídia ou "fazendo sucesso", são tacitamente julgadas como "não tão talentosas assim". Ou são consoladas com um sorrisinho e um "quando ficar famoso, não esquece de mim", que evidencia essa ideologia. Se a pessoa é boa, ela vai ser reconhecida, ou seja, vai ficar famosa, porque sucesso é isso. E ela é tão boa que vai ficar famosa a ponto de se esquecer de mim. Acho que as pessoas ficam constrangidas de pensar que, mesmo o outro sendo muito bom, talvez ele nunca alcance O sucesso. Mas há outras formas de se fazer sucesso e a maior delas ainda é interior, por mais clichê que isso possa parecer. Estar feliz consigo mesmo é uma das maiores conquistas que alguém pode realizar, é um desafio diário e é a forma mais gratificante de sucesso. Mas disso ninguém fala, infelizmente.
    Ao mesmo tempo, se um artista qualquer aparece muito na TV ou tem seus milhões de fãs no Facebook, logo se pensa "nossa, esse cara deve ser bom, para tanta gente gostar assim...". E, depois de um tempo, qualquer coisa que esse ídolo fizer será maravilhosa, inovadora, incrível. Como minha mãe diz "cria fama e deita na cama". É exatamente como no texto: "O dinheiro tem a estranha capacidade de diminuir as qualidades de quem não o possui" - e engrandecer as de quem o possui. Mozart, que se considerava um gênio, morreu na pobreza, porque não foi reconhecido. Era um fracasso. Tempos depois, redescoberto, foi consagrado gênio e hoje está "acima de qualquer suspeita". Ele não evoluiu depois de morto, suas composições não mudaram. As pessoas, sim. O sucesso, como o vendem, depende sempre dos outros, da maneira como se é percebido. Quem, em sã consciência, iria querer esse nível de dependência, estar sempre à mercê da maré? Mas a nossa própria cultura institui isso em nós, inscreve na gente, COBRA da gente. É louco.

    Como Oscar Wilde disse, em tradução livre, 'nada faz tanto sucesso quanto o sucesso'. Triste.

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