segunda-feira, 16 de março de 2015

A base da criatividade e da inovação.

As pessoas são seres sociais, mas depois de passar o dia rodeadas de gente, de reunião em reunião, atentas às redes sociais e ao celular, hiperativas e hiperconectadas, a solidão oferece um espaço de repouso capaz de curar. Uma das conclusões mais surpreendentes é que a solidão é fundamental para a criatividade, a inovação e a boa liderança. Estudo realizado em 1994 por Mihaly Csikszentmihalyi (o grande psicólogo da felicidade) comprovou que os adolescentes que não aguentam a solidão são incapazes de desenvolver seu talento criativo.

Susan Cain, autora do livro Quiet: The Power of Introverts in a World That Can’t Stop Talking (silêncio: o poder dos introvertidos num mundo que não consegue parar de falar), cuja conferência na plataforma de ideias TED Talks é uma das favoritas de Bill Gates, defende ao extremo a riqueza criativa que surge da solidão e pede, pelo bem de todos, que se pratique a introversão. “Sempre me disseram que eu deveria ser mais aberta, embora eu sentisse que ser introvertida não era algo ruim. Durante anos fui a bares lotados, muitos introvertidos fazem isso, o que representa uma perda de criatividade e de liderança que nossa sociedade não pode se permitir. Temos a crença de que toda criatividade e produtividade vem de um lugar particularmente sociável. Só que a solidão é o ingrediente essencial da criatividade. Darwin fazia longas caminhadas pelo bosque e recusava enfaticamente convites para festas. Steve Wozniak inventou o primeiro computador Apple sentado sozinho em um cubículo na Hewlett Packard, onde então trabalhava. Solidão é importante. Para algumas pessoas, inclusive, é o ar que respiram.”

Cain lembra que quando estão rodeadas de gente, as pessoas se limitam a seguir as crenças dos outros, para não romper a dinâmica do grupo. A solidão, por sua vez, significa se abrir ao pensamento próprio e original. Reclama que as sociedades ocidentais privilegiam a pessoa ativa à contemplativa. E pede: “Parem a loucura do trabalho constante em equipe. Vão ao deserto para ter suas próprias revelações”.

A conquista da liberdade

“Só quando estou sozinha me sinto totalmente livre. Reencontro-me comigo mesma e isso é agradável e reparador. É certo que, por inércia, quanto menos só se está, mais difícil é ficá-lo. Mesmo assim, em uma sociedade que obriga a ser enormemente dependente do que é externo, os espaços de solidão representam a única possibilidade se fazer contato novamente consigo. É um movimento de contração necessário para recuperar o equilíbrio”, diz Mireia Darder, autora do livro Nascidas para o Prazer (Ed. Rigden, não publicado em português).

Também o grande filósofo do momento, Byung-Chul Han, autor de A Sociedade do Cansaço (Ed. Relogio D’Agua, de Portugal), defende a necessidade de recuperar nossa capacidade contemplativa para compensar nossa hiperatividade destrutiva. Segundo esse autor, somente tolerando o tédio e o vácuo seremos capazes de desenvolver algo novo e de nos desintoxicarmos de um mundo cheio de estímulos e de sobrecarga informativa. Byung-Chul Han preza as palavras de Catão: “Esquecemos que ninguém está mais ativo do que quando não faz nada, nunca está menos sozinho do que quando está consigo mesmo”.

Autoconsciência e análise interior

As 5 chaves para desfrutar da solidão
1. Você é sua melhor companhia. A premissa básica é mudar a crença de que quem está acompanhado está melhor.
2. Uma oportunidade para nos conhecermos melhor e descobrir nosso rico mundo interior.
3. Em vez de se torturar, é preciso aproveitar a solidão para ler, pintar ou praticar esporte.
4. Escrever um diário. Ajuda a expressar sentimentos e a contemplar-se com mais conhecimento e carinho.
5. Como indica o psicólogo Javier Urra, com a solidão recuperamos “o gosto pelo silêncio e pelo domínio do tempo”.
“Para mim a solidão representa a oportunidade de revisar nosso gerenciamento, de projetar o futuro e avaliar a qualidade dos vínculos que construímos. É um espaço para executar uma auditoria existencial e perguntar o que é essencial para nós, além das exigências do ambiente social”, diz o filósofo Francesc Torralba, autor de A Arte de Ficar Só (Ed. Milenio) e diretor da cátedra Ethos da Universidade Ramon Llull. Na solidão deixamos esse espaço em branco para ouvir sem interferências o que sentimos e precisamos. “A solidão nos dá medo porque com ela caem todas as máscaras. Vivemos sempre mantendo as aparências, em busca de reconhecimento, mas raramente tiramos tempo para olhar para dentro”, diz Torralba.

Na verdade, a solidão desperta o medo porque costuma ser associada ao vazio e à tristeza, especialmente quando é postergada longamente por uma atividade frenética e anestesiante. Para Mireia Darder, é bom enfrentar esse momento tendo em mente que a tristeza resulta simplesmente do fato de se soltar depois de tanta tensão e de ter feito um esforço enorme para aparentar força e suportar a pressão frente aos que nos cercam. “Não se pode esquecer que para ser realmente independente é preciso aprender a passar pela solidão. O amor não é o contrário da solidão, e sim a solidão compartilhada”, diz Darder.

Em nossa sociedade, a inatividade —que surge com frequência da solidão— é temida e desperta a culpa. Fomos preparados para a ação e para fazer muitas coisas ao mesmo tempo, mas é quando estamos sozinhos que podemos refletir sobre o que fazemos e como o fazemos. O escritor Irvin Yalom, titular de Psiquiatria na Universidade de Stanford, confessava que desde que tinha consciência se sentia “assustado pelos espaços vazios” de seu eu interior. “E minha solidão não tem nada a ver com a presença ou ausência de outras pessoas. De fato detesto os que me privam da solidão e além disso não me fazem companhia.” Algo que, segundo Francesc Torralba, é muito frequente: “Embora estejamos cercados de gente e de formas de comunicação, há um alto grau de isolamento. Não existe sensação pior de solidão que aquela que se experimenta ao estar em casal ou com gente”.

Li no http://www.contioutra.com

10 comentários:

  1. Daniel Massarani, 17hsegunda-feira, março 16, 2015

    Me identifiquei muito com os autores citados, principalmente com Torralba, que traz à discussão a importância do medo de ficar sozinho para o melhor aproveitamento da solidão. Dito isso, discordo um pouco da visão de que estar só é a base para a inovação. Reconheço que, sim, momentos de introspecção nos possibilitam maior espaço de autoconhecimento e, portanto, de criação. No entanto, imagino que o indivíduo que se mergulha na solidão (física) por completo tende a privar-se de referências externas e alienar-se de uma realidade que pode ser tediosa, mas quando vista através de uma lente diferente, pode ser altamente inspiradora também. Por isso, me identifiquei mais ainda com a fala de Irvin Yalom “E minha solidão não tem nada a ver com a presença ou ausência de outras pessoas.” Viva essa introspecção de espírito, mas viva também a arte de mergulhar de cabeça no caos anti-solitário que é o “mundo lá fora”!

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    1. Excelente reflexão, Daniel. Lembrei-me de Nietzsche, que afirmava que odiava quem lhe roubava sua solidão e não lhe fazia companhia. Estar a sós não é solidão, definitivamente.
      =)

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    2. Gabriela Gaia Meirelles - 15hdomingo, março 22, 2015

      Solidão dá calafrio. Palavra rechonchuda, com uma barriga gigante cheia de ar. Espaços em branco são solidão em cor. De nada. E nós somos ensinados a querer tudo, o tempo todo. Nem o céu é o limite. Nossas conexões são todas wire less, móveis, às vezes fraca, mas sempre constantes. Devemos estar conectados, o tempo todo. Correndo, não se sabe pra onde, mas correndo. E nós corremos. Corremos com o passo trôpego, mas corremos. Corremos com a cabeça confusa, mas corremos. Corremos sem saber por que correr, mas sempre corremos.

      Ficar só é parar de correr. É parar e refletir, para depois, quem sabe, talvez, voltar a correr. Mas ficar só dói. Dói porque o coração bate alto e o cérebro fala honesto. E honestidade dói, também. Mas a dor faz parte da vida, mesmo que a gente seja ensinado a correr assim que uma pontada ou outra de dor se manifeste no corpo.

      O texto veio pra mim na hora certa, e imagino que pra muitos de nós, jovens apressados em viver tudo e todos, esse mundo múltiplo em oportunidades e escolhas. Não gostamos de parar, não podemos parar. Mas há que se parar e ficar só. Há que se parar de correr. Há que se parar pra pensar.

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    3. Bom saber que a mensagem foi útil para você, Gabriela. Há que viver um dia de cada vez para podermos desfrutar de todas as possibilidades que a vida nos oferece.
      =)

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  2. Solidão. É interessante como a nossa sociedade conseguiu ressignificar essa palavra para ter um sentido tão negativo. Para nós, quer dizer rejeição, uma inabilidade de fazer parte de um todo. É como se acreditássemos que a única maneira de obter algum tipo de satisfação é através de outras pessoas. A arte, porém, nos conta uma história diferente. Muitos artistas falam da importância da solidão e do ócio para a criação. Precisamos nos desprender dos outros para poder encontramos as nós mesmos.
    Acho que está mais difícil do que nunca estarmos verdadeiramente a sós. Num mundo onde as pessoas estão cada vez mais conectadas, é difícil se separar disso, se desligar. Mas é exatamente por isso que eu acho que é cada vez mais necessário. A solidão não é importante só para a criação, mas também para o bem-estar e a saúde do indivíduo. É importante sermos confortáveis com a solidão — e se um dia um apocalipse acabar com a internet? O que faremos então? Precisamos aprender a desfrutar da solidão, como o texto ensina. Ótimo texto, gostei muito!

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    1. Pois é, Luiza. Pensar exige vazio. E isso requer desprendimento e sintonia com nosso mundo interior. Infelizmente, a mídia deseja que sejamos apenas atores e não autores de nossa história.

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  3. Fernanda Merege - 13hrsdomingo, março 22, 2015

    Adorei o artigo. Sempre gostei muito de escrever, o que eu considero uma atividade muito introspectiva e, em função disso, sempre considerei importante ter tempo para mim mesma. Já cansei de ouvir gente dizer que perco muito tempo fazendo nada, mas, na minha opinião, esse "fazer nada" me leva aos meus momentos de maior produtividade. Na correria do dia-a-dia acabamos nos esquecendo que, se não estivermos bem com nós mesmos, as chances de nos sairmos bem em qualquer outra atividade diminuem muito, e são justamente essas horas vagas que nos levam ao bem estar. Simplesmente amei o artigo, pois ele expressa exatamente o que eu penso a respeito do assunto :)

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    1. Fernanda, recomendo a leitura do livro Ócio Criativo, de Domenico De Masi.
      =)

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  4. Eu concordo com Susan, a solidão pode ser algo positivo também. Muitas vezes o sentimento é associado a negatividade, mas a solidão é importante para termos uma reflexão sobre nós. Como vivemos nesse mundo conectado, estamos sempre agindo "conforme a maré", acabamos sendo cópias do meio e mal percebemos. A solidão, de uma certa forma, pode nos ajudar a explorar nossa criatividade. Tirar um tempo só pra você, é importante para descobrir mais sobre seus próprios gostos e pode ser uma atividade proveitosa para abrir a mente para novas ideias e também uma vantagem para conhecer seus pontos fortes e também suas dificuldades.

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  5. Tamyres: tb é importante não confundir solidão com ficar a sós.
    Há uma diferença enorme entre ambos.
    =)

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