quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Nos especializamos em não ver.


'Somos movidos não pela busca da verdade, mas por uma necessidade de ilusão: dedicamos nossos melhores dias construir um mundo fantasioso, habitado por pessoas muito diferentes daquelas que conseguimos ser.

Vivemos o domínio das imagens e dos modelos. Idealizamos um corpo, uma casa, uma família, os filhos, o amor, a vida. E gastamos nossos melhores dias a correr atrás desse ideal que nunca chega, porque é uma imagem. Enquanto a vida, em sua evidência, passa.

Movida pela crença em mundo ilusório, a cultura ocidental buscou afastar os feios, os pobres, os loucos, os homossexuais, os criminosos, mas também a velhice, a morte, a dor.

Fingimos não ver o evidente: nossos próprios erros e defeitos, nossas contradições, as dificuldades dos nossos filhos, parentes, amigos, quem erra sempre é um outro que não somos nós, nem nossa família, nem nossos amigos. Julgamos como toupeiras: nos especializamos em não ver.

Consumir objetos, pessoas relações e explorar a natureza e os semelhantes são formas de nos ocupar, de nos distrair das contradições do viver. Mas as incríveis inovações tecnológicas e os mecanismos sofisticados de ilusão que criamos não nos afastaram das perdas e da dor.

Talvez por isso o uso indiscriminado de medicamentos psiquiátricos, de drogas, de álcool, como se precisássemos sempre de um aditivo para viver.

Precisamos construir um novo modo de estruturar nosso pensamento, fundado agora não na ilusão, mas na coragem e na ação, um pensamento maduro, capaz de elaborar as frustrações; um pensamento forte, vigoroso, audaz, que possa construir novas formas de vida, de humanidade e de sociedade.

De qualquer forma, teremos que fazê-lo, já que a diminuição do consumo é uma das condições para a sustentabilidade ambiental da Terra. Mas isso existe uma nova escola, uma nova educação.

A escola deverá, cada vez mais, deverá ser um espaço aberto, e a educação inevitavelmente vinculado à cultura. A vida deve ser a dimensão integradora das relações na escola. Se não houver vida naquilo que aprendemos, então não há educação, formação e muito menos aprendizagem.

A escola deve ser um corpo vivo. E deve envolver também os espaços públicos e as festividades, deve ir aos concertos, às exposições de arte, aos museus e às bibliotecas, aos centros de pesquisa, às reservas ambientais, enfim, a escola deve ir à cidade. 

E a cidade deve se preparar para recebê-la, construindo espaços de convivência e de relação e assumindo seu papel no processo educativo, em vez de lavar as mãos, enquanto isola jovens e crianças em escolas que mais parecem presídios. Esperando cidadania enquanto oferece exclusão. A escola deve ser um espaço de conexão, de ligação e inclusão.

Estudar, cada vez mais, será, antes de tudo, entender onde a gente mora, que relações predominam ali, que tipo de vida impõe, para saber até que ponto queremos seguir trilhas prontas ou inventar as nossas. Viver é sempre o grande desafio de estabelecer metas, abrir trilhas, produzir contornos, conceito; viver é criar valores. Por isso, o aprender deve estar vinculado ao criar.

Aprender criando é a regra, porque do contrário não é aprendizado, é treinamento; não há troca, há imposição. Mas a arte não é considerada fundamental, como deveria, mas acessória, distração.

O século 21 caminha em direção a uma escola na qual o aluno seja ouvido e considerado. Uma escola para o aluno, dirigida para o seu desenvolvimento, tendo como alvo a vida em toda as suas dimensões.

Uma escola na qual a arte, a filosofia, a ética estejam tão presentes que não precisem de cinquenta minutos na grade curricular; ou melhor, uma escola que não tenha grade curricular, mas temas, assuntos, questões.

Uma escola que não se acovarde diante das perguntas mais difíceis, como a morte, o tempo, a dor, a violência, a discriminação social, étnica, religiosa, mas que construa espaços nos quais essas questões sejam discutidas, pensadas. Enfim, uma escola viva, alegre, corajosa, sempre aberta a novas questões.



Viviane Mosé - in  "A educação e os desafios do mundo contemporâneo"   Arte: Vik Muniz

3 comentários:

  1. Fernanda Merege - 13hrs
    Adorei esse texto, pois ele trata de assuntos sobre os quais vivo me perguntando e comentando. Desde que comecei a prestar atenção e me interessar pelo sistema educacional que temos hoje, questionei as escolhas dos temas abordados em sala de aula e como eles são tratados. Um exemplo que eu sempre cito é: por que aprender Báskara e equações do segundo grau se quando nos formarmos vamos precisar saber mais é de economia? Fico realmente revoltada, pois vejo que a escola não nos prepara para a vida, e sim apenas para o vestibular. Por sorte fui de uma escola um pouco diferente, que tentava adequar o currículo ao mundo além das paredes da instituição. Uma das matérias mais memoráveis que tive foi Tendências Mundiais, que explorava as questões sócio-culturais mais iminentes nos dias atuais e nos estimulava a propor soluções para a convivência com elas, um exemplo de uma matéria que realmente contribui para a formação de uma pessoa, e não apenas um vestibulando.

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    1. Bem-vinda, Fernanda.
      Você tem razão: o ensino bancário, fragmentado e impessoal é um dos males de nosso defasado modelo educacional. Mas as coisas estão a mudar, creia. É um processo lento, mas irreversível.
      =)

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    2. Fernanda Merege - 13hrssábado, março 14, 2015

      Obrigada, Favilla :) Espero que estejam mesmo! Acredito que a educação vai além do conhecimento; influencia também o comportamento e os valores das pessoas. Se conseguirmos ter um sistema capaz de formar indivíduos completos, tenho certeza de que podemos esperar coisas maravilhosas pela frente!

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