Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que as dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor os meus silêncios.
Arte: Tatiana Deriy
Achei interessante ele colocar a palavra como sendo algo tão importante e como esse texto se torna bem atual se o encararmos pelo lado de uma crítica subliminar, em um tempo que a palavra é tão desvalorizada. Como quando estávamos fazendo o exercício de não escrever com a letra A e constamente você dizia para usarmos o dicionário, explorarmos as palavras da vasta língua portuguesa e tínhamos uma dificuldade nisso.
ResponderExcluirAii Manoel de Barros... Pura e simples voz da natureza em todos os seus textos! Sou apaixonada pelo trabalho dele!
ResponderExcluir"Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas- é de poesia que estão falando." (Manoel de Barros)
Incrível!
Achei muito legal colocar a palavra como algo tão importante mesmo sendo tão desvalorizada hoje em dia. mas apesar disso o silêncio também é muito importante pois dele pode sair mais palavras do que quando a pessoa as solta para você. um silêncio pode representar uma inquietação que é percebida não nas palavras mas na ausência delas...
ResponderExcluir"Uso a palavra para compor meus silêncios." Ta ai uma frase que me fez pensar. Acho o desperdício de palavras algo muito grave. Uma vez botadas pra fora, não tem mais jeito. E em muitas situações, o silêncio em si, diz muito mais que meia dúzia de palavras
ResponderExcluirManoel de Barros é um verdadeiro reciclador e inventor. Através do que não se preza, ele vive e monta.
ResponderExcluir"Porque eu não sou da informática: eu sou da invencionática.". Algo raro nos dias de hoje. As pessoas estão tão preocupadas em viver em um mundo completamente tecnológico e estar sempre por dentro das novidades que deixam de perceber as coisas pequenas da vida. Como Manoel de Barros diz: "Amo os restos".
ResponderExcluirAdoro esse texto, eu acho que é isso que acontece com os poetas, e não só os consagrados como Manoel de Barros, mas o poeta que existe em todos nós, reles mortais. Usamos as palavras pra compor o nosso silencio e enfeitamos folhas e mais folhas de sentimentos.
ResponderExcluir"Só uso a palavra para compor os meus silêncios."
ResponderExcluirLindo demais! É um daqueles versos finais que fazem a gente ficar em silêncio, pensar, ler de novo o poema, pensar mais e... uau.
Já eu sou o contrário : Uso meu silêncio para compor as palavras
ResponderExcluirCom o silêncio meu corpo fala, meu corpo brilha, meu corpo expressa essas palavras, se eu falo perde o sentido do que realmente eu quero dizer, o silêncio é o mais poderoso som, é o som do pensamento, é o som da sensação, é o som do momento.O silêncio tem forma, tem cara e voz, o silêncio é um misto de palavras que são exploradas no olhar.
Faço do meu silêncio .... minhas palavras